Resenha Literária

“Eu Canto e a Montanha Dança” de Irene Solà: Um puzzle de Natureza e Narrativas

Foi neste mês de agosto que descobri a escrita da catalã Irene Solà, autora do livro “Eu Canto e a Montanha Dança”, publicado em abril de 2024, pela editora Cavalo de Ferro. Este é o segundo romance de Solà, uma jovem nascida em 1990, poeta e artista plástica, e já está traduzida em mais de 20 línguas.

Um Romance de Finitude e Natureza

O enredo de “Eu Canto e a Montanha Dança” começa com a morte de Domènec, um homem que, durante uma tempestade, é atingido por um raio numa floresta. A partir deste ponto, a morte e a finitude tornam-se temas centrais, abordados de múltiplas formas — tanto no sentido literal como metafórico. Irene Solà convida-nos a observar a natureza com o mesmo olhar de aceitação da finitude, uma condição inevitável e necessária da existência. Não há vida sem morte, e esta obra é, em muitos aspetos, uma homenagem à beleza da natureza e à sua transitoriedade.

Solà faz um resgate das lendas, mitos e folclore dos Pirenéus, a sua região natal. O livro percorre vários momentos históricos, desde a formação das montanhas até à Inquisição e à Guerra Civil Espanhola, traçando um panorama vasto e profundo da natureza e da história.

A Polifonia de Vozes e Perspetivas

Dividido em pequenos capítulos, o livro destaca-se pela sua pluralidade de narradores. Aqui, as vozes não são apenas de humanos: nuvens, cogumelos, animais como ursos e cães, crianças, idosos e até seres encantados tomam o lugar de narradores. Esta diversidade de pontos de vista cria uma espécie de puzzle, onde todos os seres estão interligados, mostrando que, apesar do domínio do ser humano sobre a natureza, continuamos inseparavelmente conectados a ela.

Um dos capítulos mais fascinantes é o narrado pelos cogumelos, onde Solà explora a vida coletiva desses organismos, em contraste com a nossa individualidade humana. Este é um dos muitos exemplos de como a autora descentraliza a perspetiva humana, questionando o nosso habitual antropocentrismo.

Narrativas entrelaçadas e um livro de múltiplas camadas

Uma das características mais interessantes desta obra é a forma como os mesmos acontecimentos são narrados por diferentes perspetivas. O leitor tem a oportunidade de ver o mundo através dos olhos de um cogumelo, de um urso ou de uma pessoa, e perceber como cada ser experimenta a realidade de forma distinta.

Irene Solà, sendo poeta, incorpora a sua sensibilidade poética na estrutura da narrativa, que não segue uma linha temporal linear. Este aspeto, embora possa ser um desafio no início, contribui para uma leitura rica e reflexiva.

  Reflexões e Comparações Literárias

A polifonia e a descentralização da perspetiva lembram-me obras como “O Meu Nome é Vermelho” de Orhan Pamuk, onde o autor utiliza uma técnica semelhante ao dar voz a diferentes seres, até mesmo objetos, para contar a sua história. No entanto, em “Eu Canto e a Montanha Dança”, essa ausência de distinção estilística entre as várias vozes narrativas parece intencional. Irene Solà escolheu não marcar as vozes com diferenças óbvias, o que reforça a ideia de uma ligação profunda e intrínseca entre todos os seres vivos.

Um Livro para Todos

Apesar da sua profundidade, considero “Eu Canto e a Montanha Dança” um livro fácil de ler. A sua diversidade de temas — da morte à vida natural, dos relacionamentos amorosos ao envelhecimento — torna-o acessível a vários tipos de leitores. Assim, cada um pode encontrar algo com que se conectar, seja o contexto histórico, o político, o geográfico ou as histórias de vida contadas pelos personagens, humanos ou não.

Este é, sem dúvida, um livro que poderá agradar a muitos pela sua pluralidade, pois é uma leitura contemporânea e inovadora, ideal para quem deseja começar a explorar obras fora do habitual.

Um abraço literário.

Isabela-Assinatura
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Isabela Veloso

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